Viatura da Polícia Civil do Paraná DHPP — Foto: Giuliano Gomes/PR Press |
"Por quê, papai?"
Essa pergunta ressoa como um eco desesperado em uma sociedade que falha, dia após dia, em proteger suas mulheres. Como explicar a essas crianças que o homem que deveria ser um exemplo, o porto seguro da família, escolheu tirar a vida de sua mãe?
Segundo a polícia, a briga começou após a vítima descobrir mensagens no celular do marido indicando uma traição. Em um momento de angústia, ela teria pegado uma faca. Não para atacar, mas para se defender em meio ao caos. Convencida pelos filhos, largou a arma.
E foi aí que o destino, cruelmente, se selou. O homem foi ao quarto, pegou uma arma de fogo e atirou. Três vezes. Contra a mulher que dividia a vida com ele.
Não foi um ato impulsivo. Foi uma escolha.
Mulheres não merecem morrer
O Brasil é um dos países com maior número de feminicídios no mundo. Isso não é por acaso. Por trás de cada caso está um sistema que, historicamente, coloca a mulher em posição de submissão e silencia suas denúncias.
Ela já havia registrado um Boletim de Ocorrência no início do ano. Sabia que algo estava errado. Mas, como tantas outras, não pediu medida protetiva. Talvez tenha pensado que ele mudaria. Talvez tenha sentido medo de reações ainda mais violentas.
Quantas mulheres vivem esse dilema? Quantas acreditam que denunciar é em vão porque "ele sempre volta"?
Não é ciúme. É poder.
Toda vez que um homem mata uma mulher sob o pretexto de "ciúme", estamos diante de algo muito mais profundo e perturbador: a ideia de posse. O agressor não aceita que ela tenha autonomia. Não aceita que ela o confronte, que ela o abandone, que ela diga "não".
Essa tragédia em Marechal Cândido Rondon não é isolada. É o reflexo de uma sociedade que ainda trata a violência doméstica como "briga de casal", que hesita em intervir, que coloca o ônus da denúncia sobre a vítima enquanto poupa o agressor do julgamento.
As marcas na infância
E agora? Como essas crianças vão superar o trauma de ver sua mãe morrer pelas mãos do próprio pai? O impacto de um crime assim vai muito além do momento em que ele ocorre. Essas vidas estão para sempre marcadas.
No Brasil, milhares de crianças crescem sem uma mãe porque ela foi assassinada. Crescem com medo, raiva e uma dor que as palavras não conseguem descrever. A vítima do feminicídio não é apenas a mulher que perde a vida; é toda uma família, toda uma comunidade.
A nossa indignação precisa virar ação
Não podemos mais aceitar isso. Nenhuma mulher deveria morrer porque um homem decidiu que podia tirar sua vida.
Precisamos falar sobre feminicídio como o crime hediondo que é. Precisamos educar meninos e meninas para que entendam que ninguém pertence a ninguém, que o amor não controla, não machuca, não mata.
Precisamos de uma rede de proteção mais forte, com abrigos, suporte psicológico, acompanhamento legal. Precisamos de uma sociedade que veja a violência contra a mulher como uma urgência e não como uma "estatística".
Quebrando o ciclo
É possível evitar novos casos. Mas isso exige coragem. Coragem de ouvir, de acolher, de não deixar que ameaças se transformem em tragédias. Exige que todos – vizinhos, amigos, familiares, autoridades – assumam a responsabilidade de não se calar.
Hoje, uma mãe não volta mais. Uma mulher que tinha sonhos, que queria criar seus filhos, foi arrancada do mundo de forma cruel.
E nós, enquanto sociedade, temos o dever de garantir que histórias como essa não se repitam.
Leis que nos amparam
• Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): Um marco no combate à violência doméstica, mas que precisa ser aplicada com mais rigor e eficiência.• Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015): Reconhece o feminicídio como uma forma de homicídio qualificado, com penas severas.
• Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/1990): Garante proteção às crianças que são vítimas ou testemunhas de violência.
________________________________________
Mulheres não merecem ser mortas. Merecem viver, sonhar, amar e serem amadas. Que essa indignação nos mova a transformar o mundo, antes que seja tarde demais para outra família, outra mulher, outra vida.