Foto: Fellipe Sampaio/STF |
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou por unanimidade a validade da Emenda Constitucional que revogou a exigência de plebiscito para a privatização de empresas estatais no Rio Grande do Sul, uma medida que permitirá ao governo estadual avançar no processo de desestatização de empresas como a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a Companhia Rio-grandense de Mineração (CRM) e a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás), sem a necessidade de consulta popular prévia.
Essa decisão veio em resposta a duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6291 e 6325), movidas por partidos de oposição (PT, PCdoB, PSOL e PDT), que questionavam a constitucionalidade da emenda que revogou a obrigatoriedade do plebiscito. Os partidos alegaram que a retirada da consulta popular violaria os princípios democráticos garantidos pela Constituição Federal, argumentando ainda que a população deveria ser consultada sobre a alienação de empresas consideradas estratégicas para o estado. Em 2019, esses partidos organizaram um movimento de mobilização e conseguiram reunir cerca de 80 mil assinaturas em defesa da manutenção do plebiscito para privatizações.
No entanto, o STF entendeu que a alteração constitucional estava de acordo com os parâmetros constitucionais e jurisprudenciais já firmados pela Corte, segundo os quais a autorização de desestatização depende apenas de aprovação por lei específica da Assembleia Legislativa, o órgão representativo eleito pela população para decidir sobre temas de interesse público. O relator das ações, ministro Cristiano Zanin, destacou que a Constituição Federal exige consulta ao Poder Legislativo para a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista, mas não obriga que o mesmo critério seja aplicado a privatizações, que podem seguir normas estaduais conforme aprovado pelos legisladores locais.
A fundamentação da decisão do STF neste caso baseia-se em jurisprudências anteriores, sendo o precedente mais relevante o julgamento da ADI 6965, em que a Corte já havia decidido que a revogação da exigência do plebiscito para privatização de estatais gaúchas era constitucional. Nesse caso, o STF entendeu que a retirada do plebiscito não tornaria o processo menos democrático, uma vez que a autorização legislativa — através de uma lei aprovada na Assembleia Legislativa — seria suficiente para representar a vontade popular. Esse entendimento do STF reflete uma visão de que o plebiscito não é essencial para a manutenção da democracia no processo de desestatização, pois os representantes eleitos no Legislativo estadual têm a legitimidade para decidir sobre o patrimônio público.
Outro caso que fortalece a decisão do STF foi a ADI 5624, em que a Corte consolidou a visão de que as assembleias legislativas estaduais têm competência para aprovar leis de privatização de empresas públicas, sem necessidade de consultas populares obrigatórias, desde que a legislação específica seja aprovada pelos representantes eleitos.
Antes da alteração, a Constituição do Rio Grande do Sul exigia que qualquer processo de privatização de estatais estratégicas, como energia, mineração e gás, fosse aprovado por plebiscito. Isso significava que, para vender ou transferir o controle dessas empresas, o governo precisava realizar uma consulta direta à população. O plebiscito representava uma salvaguarda que permitia aos cidadãos expressarem sua posição sobre o destino de empresas estatais, ampliando a participação popular em decisões de grande impacto.
Com a nova decisão, a exigência de plebiscito foi revogada. Agora, o governo do Rio Grande do Sul precisa apenas da aprovação da Assembleia Legislativa para autorizar privatizações de estatais. Assim, o processo de desestatização poderá ser conduzido de forma mais ágil e flexível, uma vez que a consulta direta à população deixa de ser obrigatória. A responsabilidade pela autorização passa a ser exclusivamente dos deputados estaduais, que são eleitos democraticamente para representar os interesses da população gaúcha.
A mudança traz vantagens para o governo estadual, especialmente no que se refere à celeridade do processo de privatização e à economia de recursos, já que a realização de plebiscitos envolve tempo e custos significativos. Com a alteração, o Executivo do Rio Grande do Sul ganha maior autonomia para implementar políticas de desestatização e atrair investimentos privados, o que pode impulsionar a modernização de setores anteriormente estatais e promover o desenvolvimento econômico no estado.
Outro benefício esperado é a possibilidade de reduzir o déficit financeiro do Rio Grande do Sul, uma vez que a venda de estatais pode gerar receitas para o Estado, além de transferir o ônus da gestão e dos investimentos para o setor privado, potencialmente mais eficiente e competitivo. A expectativa é de que a desestatização estimule a entrada de novos capitais e incentive melhorias nos serviços prestados pelas antigas estatais.
No entanto, a decisão também gerou críticas, especialmente de setores que defendem a participação direta da população em decisões sobre o patrimônio público. Para esses grupos, a retirada do plebiscito enfraquece o controle social sobre as privatizações e limita a capacidade dos cidadãos de influenciar o destino de empresas consideradas estratégicas para o desenvolvimento estadual.
A decisão do STF se alinha a uma interpretação constitucional e a precedentes da própria Corte que fundamentam a autonomia dos estados para legislar sobre a criação e a alienação de empresas públicas e sociedades de economia mista:
1. Constituição Federal:
— Artigo 173: Define normas sobre a atuação de empresas públicas e sociedades de economia mista, e estabelece que sua criação depende de autorização legislativa, mas não exige plebiscito para privatização.
— Artigo 37: Estabelece os princípios da administração pública, como a legalidade, moralidade e eficiência, que fundamentam a transferência de estatais para o setor privado, quando aprovado pelo Legislativo.
2. ADI 6965: No julgamento da ADI 6965, o STF firmou o entendimento de que a exigência de plebiscito para privatizações pode ser revogada sem ferir o princípio democrático, pois o processo continua a ser legitimado pela participação da Assembleia Legislativa.
3. ADI 5624: Outro precedente que reforça a autonomia estadual ao prever que as assembleias legislativas têm competência para aprovar desestatizações sem necessidade de plebiscito, desde que respaldadas por uma legislação específica.
4. Autonomia Estadual: A Constituição garante aos estados o poder de definir suas próprias regras para desestatizações, respeitando a autonomia dos entes federados e a representação popular realizada por seus Legislativos estaduais.
Essa decisão do STF traz um marco na condução de privatizações no Rio Grande do Sul e poderá servir de precedente para processos similares em outros estados, fortalecendo o papel das assembleias legislativas como representantes dos interesses da população e agilizando o processo de desestatização de empresas estaduais.